Poupança, FGTS e desaposentação podem criar esqueletos de R$ 422 bilhões
Por Vitor Sorano - iG São Paulo | 17/02/2014 06:
Decisões políticas tomadas do passado
chegaram ao Supremo Tribunal Federal, que volta a julgar a perda dos planos
econômicos na semana que vem
Divulgação/STF
Pleno do STF em 2013: Tribunal, que volta a julgar os planos econômicos
na próxima semana, também terá de avaliar perdas do FGTS
O Supremo Tribunal Federal (STF) está
incumbido de dar vida ou enterrar definitivamente três esqueletos que, nos
cálculos mais alarmistas, podem tomar a forma de R$ 422 bilhões: a correção do Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço (FGTS) pela inflação, as perdas da poupança causadas pelos planos econômicos e a desaposentação – possibilidade de renunciar a uma
aposentadoria para tentar uma mais vantajosa.
Todos decorrem de decisões políticas
tomadas no passado, geraram cerca de 422 mil processos, e chegaram à mais alta
Corte do Brasil nos anos 2000 – a última, na semana passada.
“Até o passado no Brasil é incerto, e
isso não é algo muito positivo [para a economia do
País]”, afirma o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação
Getulio Vargas (IBRE/FGV), Fernando de Holanda Barbosa Filho, sobre as perdas
da poupança, cujo julgamento será retomando na semana que vem.
Collor: combate à inflação está na raiz dos questionamentos da poupança
e do FGTS
- Governo esquece do fator previdenciário
- Correção do FGTS pela inflação chega ao STF
- Poupança: 'dinheiro é nosso e banco não perdoa
Planos: ideia boa, execução nem tanto
No caso, os poupadores alegam ter
sido prejudicados pelos planos Verão, Bresser e Collor 1 e 2, editados pelo
governo para coibir a superinflação. A ideia até era certa. O problema foi a
forma como foi efetivada, avalia Rodrigo De Losso da Silveira Bueno, professor
associado do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo (USP).
“Com os planos, o que a gente
resolveu fazer: vamos corrigir por 50% da inflação do período e não 100%. Do
ponto de vista econômico, isso é justo. Mas por uma falha de comunicação, não é
visto como justo”, afirma o economista.
Caso o STF decida a favor dos
poupadores, o Banco Central (BC) estima que a conta ficará em R$ 150 bilhões e
deverá ser arcada pelos bancos. Esses, porém, muito provavelmente, as
instituições financeiras buscariam ser indenizadas pelo governo, com o argumento
de que apenas cumpriram a legislação.
“O governo diz que [a adoção dos planos] foi para garantir a estabilidade, evidentemente
prejudicando parte da correção monetária. Os que tiveram prejuízo decorrente
dessa manipulação entendem que o governo é sempre responsável. Pela
Constituição, o governo é sempre responsável”, afirma o jurista Ives Gandra
Martins, sobre os poupadores.
Para especialistas, passado do FGTS
deveria ser esquecido
A mudança do FGTS também está
relacionada às políticas para controlar a alta de preços. A Taxa Rerencial
(TR), criada em 1991 para substituir a inflação como critério atualização
monetária, passou a ser usada para fazer a correção dos saldos do fundo. Desde
1999, entretanto, a taxa tem ficado muito abaixo da inflação, o que leva à
corrosão do poder de compra do dinheiro do trabalhador.
Depois que o STF decidiu, em março do
ano passado, que a TR não serve como índice de correção de precatórios (dívidas
judiciais do governo com a população), milhares de trabalhadores foram à Justiça
para pedir a aplicação do mesmo entendimento ao FGTS. Até janeiro deste ano, a
Caixa Econômica Federal já era alvo de 39 mil ações.
Na semana passada, o partido
Solidariedade, de oposição, apresentou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) contra a TR e a favor de um índice inflacionário. Nos cálculos do
Instituto FGTS Fácil, a troca resultaria num esqueleto de R$ 203,4 bilhões para
o governo, e num reajuste de cerca de 102,3% para saldos que estavam em vigor
em janeiro de 1999.
Os economistas Bueno e Barbosa Filho
entendem que a fórmula deve, de fato, ser corrigida, mas questionam o pagamento
retroativo.
“[O rendimento com a
fórmula atual] é de fato um rendimento negativo para o trabalhador”, afirma Barbosa
Filho, do Ibre/FGV. “[Mas] talvez fosse mais racional discutir
para a frente: fazer o cálculo de forma retroativa, como as coisas tendem a ser
feitas, podem gerar problemas muito graves.”
Desaposentação é a ameaça mais real
para o governo, vê economista
A desaposentação também surge de um
problema na legislação, avalia Bueno, da USP. Em 1999, o governo criou o fator
previdenciário, um pedágio que reduz o benefício de acordo com a idade e o
tempo de contribuição do trabalhador.
O objetivo da medida era desestimular
aposentadorias precoces, mas os trabalhadores continuaram a se aposentar cedo.
Como continuavam a trabalhar e a contribuir para a Previdência, foram à Justiça
para pedir um recálculo do benefício com base nas novas condições.
O caso gerou 24 mil ações, das quais
duas chegaram ao STF, onde o ministro Marco Aurélio de Mello já deu voto
favorável. Nos cálculos oficiais, se o Tribunal der o sinal verde para a
medida, a Previdênica terá um impacto de R$ 69 bilhões no longo prazo.
Assim como o caso do FGTS, não há prazo para o julgamento
Para Bueno, é justamente nesse
caso que reside a maior ameaça para o governo.
“O FGTS vai virar precatório. Você vai receber daqui a três gerações se
isso acontecer de verdade, então não preocupa tanto. No caso da desaposentação
é imediato", afirma. "No caso da poupança dos bancos se eles perderem
eles vão negociar os pagamentos [aos poupadores] num prazo meio longo e aí vão
entrar contra o governo em seguida. E aí vai ser uma batalha jurídica que vai
durar vários anos."